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A importância das leguminosas

30-03-2017

Durante muitos séculos, grandes sábios e pensadores do planeta acreditavam que a Terra era o centro do Universo e que o homem era o único ser dotado de inteligência, podendo, por isso, alterar a natureza em proveito próprio. Com o desenvolvimento da ciência e o surgimento de verdadeiras catástrofes ambientais, a partir de meados do século XX, a comunidade científica e a sociedade em geral começaram a preocupar-se, verdadeiramente, com a diminuição da biodiversidade e com a proteção ambiental.

Hoje sabe-se que habitamos num planeta que é a “CASA” de uma variedade enorme de espécies, podendo ser comparado a um puzzle, em que todas as peças (pertencentes ao meio biótico ou ao meio abiótico) se encaixam de forma simbiótica e frágil. Caso ocorra a perda ou alteração de uma peça dessa intrincada rede, fica em risco o equilíbrio ecológico que sustenta a vida e, como tal, a sobrevivência da espécie humana, que surgiu há cerca de 200 mil anos atrás, quando o pico da biodiversidade atingiu o máximo.

Talvez por isso, nos últimos anos, a ONU tenha vindo a escolher, para o ano internacional, temas ligados ao ambiente, uns anos com maior visibilidade, como foi o caso do ano de 2010, designado por Ano Internacional da Biodiversidade e outros com menor, como foi o caso do ano de 2016, que foi o Ano Internacional das leguminosas.

A reduzida visibilidade das campanhas promovidas em 2016, talvez seja o resultado da fraca mobilização dos meios de comunicação social, em virtude do desconhecimento da relevância que as leguminosas têm para o Homem.

Mas afinal porque foi feita esta escolha?

Se atentarmos nos objetivos da FAO (Organização das Nações Unidas para a alimentação e agricultura) em termos de segurança alimentar, verificaremos que esta entidade tem dois objetivos principais: por um lado, “ajudar a eliminar a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição” e, por outro, “tornar a agricultura mais produtiva”.

Percebe-se facilmente a razão da escolha deste tema, sendo que a ONU se propôs a:
- Promover o valor e a utilização das leguminosas secas em todo o sistema alimentar.

- Consciencializar as populações sobre os benefícios das leguminosas secas, incluindo a agricultura sustentável e a nutrição.

- Promover os vínculos para aumentar a produção mundial de leguminosas secas e abordar os desafios do comércio das leguminosas secas.

- Promover o reforço da pesquisa e advogar para um melhor uso das leguminosas secas na rotação de culturas.

E o que são leguminosas?

Segundo Delwiche (1973), existem na Terra desde o jurássico e têm sido usadas na alimentação humana desde a antiguidade. São inúmeros os relatos que atribuem o cultivo e consumo de tremoços (Lupinus albus) no Egito antigo (2000 A.C.) e já Hipócrates, o pai da Medicina, recomendava o seu consumo para evitar problemas digestivos e prevenir doenças hepáticas. O feijão (Phaseolus vulgaris) foi a base da alimentação dos Incas, Astecas e Maias, a lentilha (Lens culinaris) é a mais antiga leguminosa consumida pelos povos do Mediterrâneo e a soja (Glycine max) é consumida há centenas de anos pelos povos asiáticos.

Taxonomicamente, pertencem à família das Fabaceae, onde se incluem uma grande diversidade de espécies, desde plantas cujo fruto é uma vagem, como é o caso do tremoço (Lupinus albus), do feijão (Phaseolus vulgaris), da fava (Vicia faba), do grão-de-bico (Cicer arietinum), da lentilha (Lens culinaris), da soja (Glycine max), da ervilha (Pisum sativum), do amendoim (Arachis hypogaea), entre outros, até árvores como a moringa (Moringa oleifera), o tamarindo (Tamarindus indica) e a alfarrobeira (Ceratonia siliqua).

São espécies fundamentais, quer pela sua composição nutricional de excelência e reconhecidas propriedades medicinais, quer pelo valor ecológico devido à sua capacidade de fixação biológica do azoto no solo.

Em termos nutritivos são ricas em hidratos de carbono de absorção lenta; contêm quantidades importantes de fibra alimentar; fornecem aproximadamente 10% do seu peso em proteínas quando cozidas; são fontes de vitaminas do complexo B; possuem quantidades apreciáveis de minerais (cálcio, ferro, fósforo, potássio, magnésio); e são ricas em fitoquímicos (compostos fenólicos) que podem ter benefícios para a saúde.

Para além disso têm pouca gordura e, conjuntamente com as já referidas fibras, provocam uma sensação de saciedade no organismo, desempenhando um papel importante no tratamento da obesidade. São ainda fundamentais para a prevenção e o controlo de doenças crónicas, tais como a diabetes, problemas cardiovasculares e cancro.

Por esse motivo, a Associação Portuguesa dos Nutricionistas, em 2016, preparou uma campanha de promoção do seu consumo, aconselhando o consumo de 1 porção por dia, ou seja, 25 g de leguminosas secas, disponibilizando no seu site várias receitas de chefes portugueses famosos, onde as leguminosas são rainhas.

Em termos ecológicos desempenham um papel fundamental no enriquecimento dos solos em azoto, contribuindo para reduzir os gases responsáveis pelo efeito de estufa que têm sido os principais causadores das alterações climáticas do planeta, uma vez que reduzem a dependência de fertilizantes sintéticos, utilizados para acrescentar azoto ao solo.

Tendo em conta esta característica, têm sido utilizadas, há milénios, como aliadas em plantações de outras culturas. Chineses, gregos e romanos constataram, há́ mais de dois mil anos, que após cultivarem espécies de leguminosas, as plantas de outras famílias cultivadas no mesmo solo cresciam mais e melhor. Existem relatos na Inglaterra, de meados de 1600, recomendando alternância de culturas ou plantações simultâneas com leguminosas. A prática é usada mundialmente até́ hoje, e é muito comum na agricultura de subsistência e na agricultura biológica em Portugal e Timor Leste.

Apesar desse conhecimento empírico, só em 1886, Helriegel e Wilfarth demonstraram que as bactérias rizóbio, presentes no interior dos nódulos de leguminosas, transformam azoto gasoso do ar do solo em azoto solúvel (amónia) assimilável como nutriente por parte das plantas. Existem diferentes espécies de rizóbio que fazem simbiose com diferentes espécies de leguminosas.
Por exemplo, nas ervilhas (Pisum sativum), favas (Vicia faba) e lentilhas (Lens culinaris), o rizóbio pertence à espécie Rhizobium leguminosarum que é das mais eficientes a fixar azoto.

Figura nº1 - Nódulos de rizóbio em fava, brancos por fora e avermelhados por dentro, sinal de funcionamento do mecanismo de fixação de N, uma fábrica natural de adubo (Reguengos de Monsaraz, Maio 2011), retirada do site: https://esmeraldazul.com/pt/blog/as- leguminosas-por-fora-e-por- dentro/.

Já o rizóbio da tremocilha é doutra espécie (Bradyrhizobium spp.), um pouco menos eficiente que o anterior, mas melhor adaptado a solos ácidos e arenosos, onde a tremocilha cresce melhor.
Em termos de conclusão, a comunidade científica da ONU pretendeu que, durante o ano de 2016, a população mundial fosse alertada para a importância das leguminosas e desta forma impedir o desaparecimento de espécies pertencentes a esse taxon, como a Desmodium craspediferum, que se julgava extinta no Brasil, após 62 anos sem ser encontrado na natureza.

Prof. Paulo Gonçalves e alunos da turma de Biologia do 12º ano